Minha vida foi devastada’, diz repórter que, em 8 dias, viu mãe, pai e irmão falecer de Covid em MS

Em 8 dias, a doença devastou a família e deixou a jornalista Súzan Benites, de 31 anos, com a responsabilidade de enterrar mãe, irmão e, por último, o pai, em Campo Grande. No domingo (21), a caminho de buscar o namorado no hospital, ela ainda precisa dar a notícia do falecimento dos sogros e cunhado, além de informar que a própria mãe dele está entubada após também ser infectada pela Covid-19.

Desde março de 2020, ela conta que a rotina da família era sair somente para “trabalho e mercado”. No fim do ano, Súzan inclusive disse que passou o Natal e Ano Novo em casa e que somente o namorado, o também jornalista Bruno Nascimento, de 34 anos, era quem tinha permissão para entrar na casa, já que ele a levava no serviço e, diariamente, jantava na casa dos pais dela.

“Meus pais, todos nós, na verdade, sempre tivemos muito medo da Covid. Desde o primeiro momento, paramos de fazer tudo. Nós não recebemos mais nenhuma visita e inclusive tinha muita gente brava porque passamos Natal e Ano Novo só nós em casa. A única pessoa que colocava o pé aqui dentro era o Bruno, porque me levava ao trabalho e era a única pessoa que jantava conosco todos os dias”, explicou a jornalista.

 

Com a mudança na rotina, Súsan também disse que todos tinham o hábito de retirar parte da roupa e o calçado já na entrada e ir direto ao banheiro. “Nós não tocávamos em nada e todos iam direto para o banho. Eu nem imagino onde pegamos essa doença. Eu também fui infectada, fiz exames, mas fiquei bem. Minha mãe tinha obesidade, mas meu pai não tinha absolutamente nada. Era doador de sangue fazia exames sempre e era saudável, assim como o meu irmão”, comenta.

No fim do mês de fevereiro deste ano, Súzan conta que o pai apresentou sintomas e, após tentarem fazer o teste na rede pública, descobriram uma farmácia perto da casa deles, no bairro Aero Rancho, região sul da cidade, onde conseguiam fazer o teste rápido. O pai dela, Atanacildo Benites Nara, de 60 anos, então foi ao local, acompanhado do irmão dela, Rafael Francis Lima Benites, 34 anos.

“Meu pai ficou ruim uns 3 dias antes de fazer o teste. Ele não gostava de médico e todos nós tentávamos nos proteger da melhor maneira possível. Só que ele não estava nem gripado e mesmo assim não sentia fome, então comentei com o meu irmão no horário de almoço dele. Eu falhei: o pai não tá bem. Ele então disse que ia dar um jeito e conseguiu um encaixe lá nessa farmácia, no dia 1° de março. Fizeram o teste e deu positivo para os dois”, relembrou a jornalista.

Família toda teve o diagnóstico no mesmo dia

Quando ambos chegaram em casa com a notícia, Súzan decidiu também fazer o teste, assim como a mãe dela e o namorado, já que era o único que frequentava a casa e tinha contato com a família. “A gente mora junto, então pensei que também poderíamos estar com a doença. E a mesma coisa o Bruno, que ficava na minha casa. Ele teve medo, então nos acompanhou para fazer o teste. Na segunda vez, foi ele, eu e minha mãe. Deu positivo para todos nós e daí tudo foi acontecendo muito rápido”, contou.

Na mesma data, Súsan conta que comprou oxímetro, aparelho para medir pressão e termômetro. “Nós também levamos o meu pai no posto de saúde e mais tarde ele tinha que fazer um raio-X na UPA [Unidade de Pronto Atendimento], porque não é tudo no mesmo lugar. Ele disse que estava muito cansado e pediu pra voltar pra casa, entre um intervalo e outro. Eu vi que ele não estava bem e consegui convencê-lo a ir no mesmo dia. Lá eles perceberam que a oxigenação dele baixou absurdamente e assim que passou pela triagem, já o internaram”, disse.

No dia 4 de março, Súzan recebeu a ligação e soube que o seria seria transferido para o Hospital Regional de Mato Grosso do Sul (HR-MS), que é referência no tratamento do novo coronavírus no estado. “Eu internei ele e nisso a gente foi pra casa. Todo mundo com febre, cansaço e, no domingo, meu irmão teve febre forte. Ele mesmo pegou o carro dele e foi para o hospital da Unimed. Lá ele só ia ficar em observação e, no máximo, em 36 horas voltava para casa”, comentou.

Enquanto isso, Súzan disse que continuou a peregrinação, fazendo exames de raio-X, bem com o mãe e o namorado dela. “Lá apareceu que o nosso pulmão estava sem manchas e secreção e nos orientaram a continuar tomando os remédios. Só iríamos para o posto se acontecesse alguma coisa mesmo. Só que 2 dias depois desse exame minha mãe teve um pontada no peito e foi internada no HR, dia 9. Lá disseram que ela só ficaria na máscara de oxigênio e o boletim médico dizia que ela estava na enfermaria, pressão boa, corpo estável, tudo bem, só precisando de ajuda para respirar”, relembrou.

Já na manhã do dia 12, Súzan fala que a notícia veio diferente, já que a máscara de oxigênio não estava sendo suficiente. “No mesmo dia, à noite, ela faleceu. A minha mãe era a pessoa que eu pensei que teria alta primeiro, porque falava que era só falta de ar mesmo, sem nenhuma piora aparente, sem infecção forte. Nisso eu estava falando com o meu irmão pelo whatsapp e, um dia antes dela falecer, ele foi entubado”, falou.

“O boletim do meu irmão falava que a resposta da intubação estava sendo boa e que ele estava evoluindo todos os dias. Na segunda, dia 15 de março, o boletim pela manhã falou ainda que ele estava bem, só que de noite ligaram falando que ele tinha falecido. O meu choque foi muito grande. Meu irmão tinha 34 anos, era jovem, tinha tudo para se recuperar e em nenhum momento disseram que a situação dele era ruim, só falavam em melhora progressiva. Não consigo acreditar até agora”, lamentou.

Sabia que situação dele era grave, diz filha

Sobre o pai, ela disse que, desde o início, percebeu que a situação dele era grave. “No caso dele, uma médica me chamou e falou a verdade. Ela disse que o pulmão dele estava 80% comprometido, que os rins não estavam funcionando. A situação dele eu sabia que era muito ruim e ainda assim ele faleceu no dia 20, de madrugada. Pouco antes, coloquei a esperança no meu pai e senti que ele ainda estava ali por mim, então orei e disse a Deus que não queria ver ele sofrendo tanto. Estava sentada no sofá, olhando para o celular e aí veio a notícia da morte dele”, falou.

Sem forças durante a caminhada, Súzan fala que chegou a “pedir a Deus para o coração parar”. “Em 8 dias estava enterrando a minha mãe, meu irmão e depois meu pai. Toda a minha estrutura. E no dia da transferência da minha mãe, do posto de saúde para o HR, eu e o meu namorado vimos a ambulância dela lá na frente. Vi que o Bruno não estava bem e lá mesmo ele passou pela triagem e foi internado”, comentou.

Neste domingo (21) Bruno deve ter alta médica. “A mãe dele também foi internada na última quarta-feira (17), pois apresentou os sintomas. Ela, infelizmente, também está intubada. Está sendo tudo muito horrível. Tive que pegar as minhas economias para fazer o enterro deles e resolver tudo praticamente sozinha. Saía de um hospital para contratar o enterro. Vi minha mãe de longe, com o caixão fechado, achando que ia contar para o meu pai e irmão e depois foi o enterro deles”, disse, aos prantos.

Por fim, ela ressalta que a dor da perda é insuportável e o quanto é difícil passar por este momento. “Meu irmão era o meu maior parceiro, também enterrei ele sozinho. Dói demais, é insuportável o que eu estou sentindo. A gente era unido demais. Agora ficou só eu e nossa cachorrinha. Ela também está sentindo falta deles. Era uma casa rodeada de amor e agora não sei o que vou fazer da minha vida. Não tenho medo de entrar lá, de sentir a presença deles. Ainda tem o cheiro deles lá e é isso que me resta. Tínhamos planos, sonhos, projetos, ideias e agora não sei o que será de mim sem a presença deles”, finalizou.

G1

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